“Devastação do crack”. Moeda de dois lados

O programa Profissão Repórter exibiu uma reportagem sobre a “Devastação do Crack”.

Essa droga é barata e de fácil acesso faz com que jovens se tornem dependentes dessa pedra que faz muito estrago na vida dessas crianças, jovens e ate adultos, essa droga está transformando os usuários em zumbis humanos, fazendo com que sua vida seja destruida, que entrem no mercado ílicito para custear o vicío. Foto: Divulgação
A matéria “tensa, triste e difícil” deu o que falar. No dia seguinte à veiculação do programa, os comentários vinham de toda parte. Pessoas discutiam o assunto nos supermercados, professores nas universidades, adolescentes nas rodinhas da escola e as dondocas nos salões de beleza. O jornalismo estava ali, cumprindo o seu papel de pautar o que seria discutido na boca de muita gente.

A reportagem veio para informar a sociedade sobre a doença sem cura. São poucos os que têm o privilégio de não ter um familiar, amigo ou qualquer conhecido que jamais se envolveu com drogas. O processo de autoidentificação surge e o elo de ligação, entre o repórter-emissor e o telespectador-receptor, se forma. As cenas prendiam a atenção do público e para estabelecer a comunicação, vale tudo. Repórteres passaram uma semana numa clínica de tratamento para acompanhar os dependentes, alguns jornalistas tiveram carros apedrejados ao tentar entrevistas, a situação era “um show de horror”.

Quando o assunto é droga não há como não chocar. Afinal, que ser humano, em seu estado normal, fica até 18 dias sem dormir e meses sem tomar banho? Quem encara com naturalidade, o fato de alguém vender tudo que tem e ainda se prostituir, só para conseguir uma pedra de crack? Quem não sente uma imensa indignação ao saber que a Cracolândia (região no centro de São Paulo, onde “o movimento dos viciados é interminável”) se localiza a apenas alguns minutos da prefeitura da cidade e a impunidade é total?

Que o craque existe todo mundo sabe, o que precisa ser conhecido agora é a profundidade das conseqüências de se exibir um programa como esse, sobre a vida de um dependente e sua família. Como você se sentiria se fosse um viciado que acabou de tomar a decisão de se tratar e ouvisse durante trinta minutos o depoimento de pessoas que se internaram inúmeras vezes e todas perderam a esperança de se recuperar? Você continuaria com a mesma idéia na cabeça e lutaria para se tratar?

Duas semanas após a exibição do programa aqui analisado, o site do Profissão Repórter recebeu mais de 500 mensagens vindas de amigos e familiares de dependentes químicos. Todas eram pedidos de orientação e ajuda para lidar com o problema abordado. Pessoas se sentiram perdidas depois de assistirem a matéria. A reportagem mencionou, em apenas um momento, os que se recuperam das conseqüências do vício. Eles foram encaixados no percentual de 10% dos que iniciam o tratamento. Talvez, esse dado foi a notícia de maior incentivo de todo programa exibido, então imagine só...

Durante o programa, um repórter declarou que a história de vida de muitos dependentes pode ser importante e ilustrativa para pessoas que estão na rua. O primeiro depoimento, após essa fala, era sobre as possibilidades de futuro para um viciado: “São os três “Cs”- Clínica, Cadeia ou Caixão”. A função do jornalismo é esclarecer a sociedade sobre os fatos que ocorrem ao seu redor, mas de quem é a responsabilidade sobre o debate de idéias e os processos de decisão, que se construíram a partir do consumo de toda essa gama de informações negativas, veículadas no programa?

Especialistas em toxocologia afirmam que as dificuldades do tratamento de um dependente são diversas e difíceis, mas com certeza, declarar que a recuperação e controle sobre o vício é possível, é uma condição essencial para que haja reintegração do indivíduo. Dentre os entrevistados naquela reportagem, nenhuma fonte ouvida serviu como exemplo de superação da dependência. O Profissão Repórter, dessa última terça-feira, tentou amenizar a situação produzindo um novo programa e dando uma abordagem diferente a matéria.

O último programa exibiu imagens dos mesmos dependentes químicos, entrevistados anteriormente, no entanto, os sujeitos passaram a servir como exemplo de determinação para se manter saudável, retornar ao convívio familiar e conquistar novos amigos. As fontes mostradas não são fictícias, mas sim importantes representantes fundamentais dessa minoria remota que se recupera. A sociedade só terá um bom referencial para seguir quando a informação for ética, de qualidade e democrática. Se a função do jornalismo é informar, então que informe por completo.

Os meios de comunicação constantemente são acusados de veicular uma grande quantidade de notícias ruins e de caráter bombástico, afinal como disse nesse artigo, são elas que dão o que falar. O jornalismo se defende usando o argumento de que aquilo que está escondido precisa ser revelado, mas e quando há um lado positivo na história? Não seria interessante mostrar o outro lado da moeda já que esse lado faz toda diferença? Se existem pessoas que construíram um novo futuro para mudar um destino fracassado, por que tais sujeitos não mereceriam também espaço?

Não há como negar, que muitas das Teorias da Comunicação podem se tornaram práticas nesses dois programas analisados. As notícias foram filtradas de acordo as prioridades dos produtores. Os temas mediáticos se tornaram conversa do dia-a-dia e passaram a influenciar no que as pessoas pensam. Não se conhece qual foi a eficácia da mensagem transmitida, mas se sabe que ela produzirá efeitos de curto, médio e longo prazo na sociedade. O telespectador não é um indivíduo passivo e indiferente às informações. Somos seres livres e distintos, os quais podemos construir uma sociedade mais justa por meio de nossas decisões.

O que resta saber é quais são os jornalistas conscientes que pensam a mídia não como um mero instrumento de informação, mas sim como uma instituição de caráter social que defenda e preserve o bem estar da população em prol do desenvolvimento e estabilidade da sociedade. Será que estou errada em criticar sa reportagens veiculadas pelo programa Profissão Reportér ? Afinal, depois da decisão por não obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercício da profissão, poderia, eu, exigir do meu açogueiro, motorista ou cabelereiro, tal conhecimento e responsabilidade sobre os efeitos de uma reportagem sobre a sociedade? Mas como a nova lei foi aprovada para que qualquer cidadão faça uso de sua liberdade de expressão sem restrições, não quero me questionar ou censurar. Estou aqui exercendo meu direito.

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