A violência que amedronta as metrópoles

Como conter o aumento de casos de roubos seguidos de morte, que desafiam as grandes cidades do País e assustam a população.

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Poucos crimes assustam mais a população do que o latrocínio. Qualquer pessoa consegue se imaginar na rua, de carro ou a pé, sendo abordada por um ladrão armado. Apesar de a maioria dos bandidos não estar interessada em matar a vítima, às vezes o assalto sai do controle e acaba em assassinato. É justamente esse tipo de situação que está aumentando no País, segundo o Anuário 2013 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com o levantamento, o número de roubos seguidos de morte subiu 16% no território nacional entre 2011 e 2012. Os cinco Estados mais populosos do Brasil contribuíram para o agravamento do problema, já que todos eles registraram alta no período (leia na pag. 56). O latrocínio é um delito relativamente raro (foram 1.810 no País no ano passado, contra 47.136 homicídios dolosos), mas amedronta as pessoas porque é democrático, diz Luciana Guimarães, diretora do Instituto Sou da Paz. “O assalto acontece na cidade inteira. Todo mundo já ouviu um caso”, afirma. Estudiosos do tema o definem como um roubo que deu errado. “E como o número de pessoas roubadas é muito grande, existe o risco”, afirma o especialista em segurança pública Guaracy Mingardi, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para combatê-lo, é necessário um conjunto de medidas que inibam o assalto à mão armada, o que inclui o combate à indústria do roubo, a melhora na capacidade de investigação e reformas na estrutura policial.
Apesar de estatisticamente ser mais provável uma pessoa ser morta por um conhecido do que por um ladrão, o latrocínio é uma das infrações que mais afetam a segurança da população. Segundo um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgado em novembro, um em cada quatro brasileiros já deixou de frequentar locais de recreação por conta da violência. Para Renato Sérgio de Lima, membro do Conselho de Administracão do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, esse pânico tem de ser considerado. “Segurança pública não é só enfrentamento do crime, ela também é responsável pela construção da sensação de segurança”, afirma. “É por isso que temos cada vez mais medo de frequentar espaços públicos e vivemos trancados”, explica Luciana Guimarães, do Sou da Paz.

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Em 2013, uma série de casos bárbaros aumentou ainda mais o receio da população. Dois dos crimes mais chocantes aconteceram no Estado de São Paulo, quando dentistas – em São Bernardo do Campo e em São José dos Campos – foram queimados vivos em seus consultórios por não terem dinheiro para entregar aos bandidos. O governo estadual tem se mostrado incapaz de frear a escalada desses delitos. Indicadores de latrocínio vêm subindo desde o começo da atual gestão e os números não dão sinal de melhora. Em 2013, foram 343 roubos seguidos de morte de janeiro a novembro, contra 313 no mesmo período do ano anterior. Em dezembro, o governador Geraldo Alckmin enviou à Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de lei estabelecendo bonificações de até R$ 8 mil anuais para policiais que cumprirem metas de redução de crimes contra a vida, assaltos em geral e roubos de carro. “O latrocínio teve um aumento, mas nós acreditamos que vai cair. Essa é uma das medidas importantes, é por isso que eu valorizei o roubo. Se reduzir o roubo, reduz o latrocínio”, afirmou o governador à IstoÉ.
Estudiosos da área dizem que medidas como a do governo paulista estão na direção certa e podem servir de estímulo pontual, mas que, sozinhas, não acabam com o problema. Para eles, os primeiros passos podem ser dados com ações simples, como iluminar ruas, diminuir o número de armas em circulação e controlar a venda de munição. “Todo roubo com arma é um latrocínio em potencial”, diz Alessandra Teixeira, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim). Também não basta comprar viaturas, aumentar as patrulhas ou endurecer as penas – é preciso cumpri-las. Especialista em criminologia do Ibccrim, Ilana Casoy acredita que a impunidade sirva de estímulo à bandidagem. “Hoje no Brasil roubar é um grande negócio. Não conheço nenhum outro que tenha quase 98% de chance de dar certo.” No País, apenas 2,5% dos casos de assalto são resolvidos, contra cerca de 10% dos homicídios. “Na Inglaterra, o índice de solução de assassinatos é de 90%. Na França, 80%. Nos EUA, em média 65%”, compara.

Estudiosos e policiais dizem que os números são ruins porque autoridades não conseguem reunir informações suficientes para entender a dinâmica do crime. O presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis, Jânio Bosco Gandra, afirma que não é possível combater delitos adequadamente sem estatísticas sobre horário, local e circunstância das ocorrências. Com dados, é possível montar o perfil do infrator e aumentar a eficiência da apuração. “Em assaltos a casas, por exemplo, você tem desde quem aproveita a empregada varrendo a rua até aqueles que planejam e vão disfarçados de entregadores para roubar. São estratégias de ação diferentes para cada um”, diz Ilana Casoy. “A gente não consegue nem a estatística, que é papel, imagina transpor isso para medidas que sejam eficientes.” De acordo com Luciana Guimarães, atualmente tudo é feito no achismo, sem base científica ou investigativa. Mesmo a captura de poucos ladrões pode levar a uma melhora significativa nas taxas de criminalidade. “Quem rouba uma vez rouba outras vezes. Quando se resolve um caso, se resolvem muitos outros”, afirma. Uma medida anunciada no fim do ano para acabar com o problema da falta de informações é o Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal (Sinesp), do governo federal, um banco de dados que promete reunir estatísticas nacionais sobre criminalidade, mas que ainda é visto com desconfiança por acadêmicos por causa da falta de qualidade dos dados locais que vão abastecer o programa.

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Um exemplo de mudança que deu certo é o da Polícia Federal do País. De acordo com Ilana Casoy, a instituição aumentou salários, investiu em infraestrutura e atraiu profissionais mais qualificados. Enquanto isso, argumenta, outras polícias usam programas piratas para lutar contra criminosos virtuais. “Além disso, os instrumentos de busca de suspeitos são muito precários. Se você verifica que o bandido usa aparelho, por exemplo, não dá para colocar foto para reconhecimento só de quem tem aparelho”, diz. Com investigações mais eficientes, é possível melhorar também o combate à indústria do assalto, já que os ladrões que matam nas ruas – geralmente inexperientes e violentos, muitas vezes agindo sob a influência de drogas – representam somente a ponta de um esquema maior. “Tal como o tráfico, temos que pensar o roubo na perspectiva de uma economia criminal. O autor do roubo não fica com o produto. Ele circula, entra no mercado”, afirma Alessandra Teixeira. “Qualquer pessoa é capaz de consumir produtos roubados em feiras do rolo. Por que o Estado não consegue atuar em cima disso?”

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Reformar a estrutura da polícia é outra maneira de resolver, no longo prazo, a crônica falta de capacidade investigativa da força. Recomendações de especialistas, como a desmilitarização das tropas, o fim da separação entre quem faz patrulha nas ruas e quem faz investigações criminais, além da implantação de uma porta de entrada única para a carreira, estão em discussão no Senado. Para Pedro Taques (PDT-MT), relator da Comissão de Segurança Pública da Casa, não existe uma medida isolada. “É um conjunto de ações que devem ser desenvolvidas”, diz. Segundo ele, a segurança pública no Brasil está, hoje, “absolutamente falida”. Para resolver a caótica situação, o País deve seguir a fórmula recomendada pela maioria dos policiais e estudiosos e resumida por Ilana Casoy: “Criminalidade não se combate só com violência. Se combate com inteligência.”

Fonte: IstoÉ

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