Ex-presidente da Petrobras José Eduardo Dutra rechaça críticas sobre
privatização em relação ao leilão do pré-sal e defende que "capital
estrangeiro que vem investir em infraestrutura e gerar empregos no
Brasil é bem-vindo"; para ele, "o que não é bem-vindo é o capital
especulativo, que vem atrás da ciranda financeira, de juros altos e que
vem aqui receber um dinheiro e vai embora"; segundo Dutra, que hoje é
diretor corporativo e de serviços da estatal, mesmo com a participação
de investidores estrangeiros, o Campo de Libra manteve intacta a
soberania do Brasil.
Ex-presidente da Petrobras José Eduardo Dutra rechaça críticas sobre privatização em relação ao leilão do pré-sal. |
O ex-presidente da
Petrobras e ex-senador José Eduardo Dutra (PT), em passagem por Sergipe,
no último final de semana, para participar de uma plenária de apoio à
candidatura do deputado federal Márcio Macêdo a presidente estadual do
PT, aproveitou o ato para municiar os petistas sobre o leilão do campo
de Libra. De forma didática, Dutra apresentou argumentos contrários às
críticas feitas pela oposição e também rechaçou posicionamentos de
grupos de esquerda. Após o evento, o atual diretor corporativo e de
serviços da Petrobras concedeu entrevista exclusiva ao Sergipe 247 sobre
o tema.
Tanto em seu discurso quanto na entrevista, Dutra diz que mesmo com a
participação de investidores estrangeiros o campo de Libra manteve
intacta a soberania do Brasil, rebatendo a declaração do senador Aécio
Neves, presidenciável do PSDB, de que o leilão representou a privatização do pré-sal.
“Isso é conversa fiada e é uma incoerência muito grande, porque, quando
da discussão do modelo de partilha no Congresso, o PSDB e o Aécio
disseram que iam votar contra o modelo de partilha, porque diziam que
era um modelo estatizante. Agora, a gente faz um leilão no modelo de
partilha, e eles falam que foi privatização. Na verdade, o que eles
querem esconder é que o que eles gostariam que tivesse ocorrido, que é
que o modelo voltasse a ser o de concessão, que é o modelo deles, que é
quando o petróleo sai debaixo da terra, não é propriedade da União, mas
sim da empresa que colocou ele para fora”, afirmou.
Dutra também rebateu o artigo produzido pelo cientista político André Singer,
publicado pela Folha de S. Paulo, no último sábado (26), que afirma que
a presidente Dilma Rousseff (PT) perdeu o discurso de 2010, ao passo
que permitiu a entrada de empresas estrangeiras no leilão. “O capital
estrangeiro é bem-vindo porque vai contribuir para que essa riqueza saia
de debaixo da terra. Porque o petróleo enquanto está lá embaixo não
vale nada. Ele só vale alguma coisa quando sai. E para fazer com que ele
saia tem que se investir muito dinheiro. E, portanto, são bem-vindas a
Shell, a Total, que venham investir e que vão ter também o seu lucro,
mas do ponto de vista estratégico, as riquezas do petróleo vão estar no
Brasil. O sistema de partilha não significa de modo algum perder o
controle estratégico da indústria do pré-sal”, afirmou.
Confira a entrevista na íntegra:
247 – Como o senhor avalia o resultado do leilão do campo de
Libra, o primeiro do pré-sal, e o que tem a dizer sobre as críticas de
que pode ter representado a perda de soberania do país sobre o petróleo,
diante da entrada do capital estrangeiro?
JED – O que define a soberania de um
país sobre os seus recursos naturais não é a nacionalidade do dinheiro
que vai ser investido para fazer aquela produção. O que define a
soberania de um país é se o país tem o controle estratégico desse
desenvolvimento. E foi isso que foi construído com o novo modelo de
partilha. O modelo antigo, de concessão, que é um modelo até bom, quando
você tem um risco muito grande de achar o petróleo, não poderia ser
aplicado no pré-sal, porque, no pré-sal, o risco é mínimo. Quando você
recebe o direito de explorar um bloco no pré-sal, como no caso do Campo
de Libra agora, você já sabe que tem petróleo. A partir daí, você tem
que garantir uma parcela para o Estado já que, constitucionalmente, o
petróleo é de propriedade da União, do povo brasileiro. O modelo de
partilha vai ter como resultado que entre a parcela da União e a parcela
da Petrobras, 85% da riqueza do petróleo que vier a ser produzido em
Libra vão para o povo brasileiro e para a Petrobras. Então, se eu posso
fazer isso porque é que eu vou espantar o capital estrangeiro? O
capital estrangeiro é bem-vindo porque vai contribuir para que essa
riqueza saia de debaixo da terra. Porque o petróleo enquanto está lá
embaixo não vale nada. Ele só vale alguma coisa quando sai. E para fazer
com que ele saia tem que se investir muito dinheiro. Portanto, são
bem-vindas a Shell e a Total, que venham investir e que vão ter também o
seu lucro, mas do ponto de vista estratégico, as riquezas do petróleo
vão estar no Brasil. E tem mais uma coisa que as pessoas não estão
falando: o modelo agora da exploração de Libra exige um percentual de
conteúdo nacional em torno de 60%, ou seja, de todos os equipamentos que
vão ser utilizados (a sonda, os navios, as interligações do poço do
fundo do mar até a plataforma), 65% do volume total em dinheiro têm que
ser construído no Brasil. Isso vai estar gerando empregos no nosso país.
Ao contrário do governo anterior em que a Petrobras construía suas
plataformas em Cingapura, na Coréia, na China, ou seja, gerava empregos
para coreanos e chineses, agora, pelo menos, 65% do volume de
investimentos têm que ser feito em indústria nacional. E a indústria
nacional já está se preparando para isso. A indústria naval brasileira
na década de 80 chegou a ser a segunda mais importante do mundo. Só
ficou atrás do Japão. Veio Fernando Henrique e destruiu a indústria
naval brasileira. Quando Lula assumiu, se tinha 3 mil empregos em
estaleiros. Só tinha estaleiro no Rio de Janeiro. Hoje, há mais de 70
mil trabalhadores nos estaleiros nacionais, no Rio de Janeiro, no Rio
Grande do Sul, em Pernambuco. Em Alagoas e na Bahia, vai se construir
também. Enfim, é você ter uma indústria de base que vem sendo implantada
desde o petróleo, mas, que a partir daí, desenvolve toda a economia e a
engenharia nacional, gerando empregos para os brasileiros. É um projeto
que visa a transformar o Brasil numa potência, mas não apenas uma
potência produtora de petróleo, até porque temos exemplos de países que
produzem muito petróleo, mas depois quando acaba o recurso natural, o
povo fica na miséria. Nós estamos construindo uma base para utilizar a
receita do petróleo para mudar o Brasil.
247 – Durante o seu discurso, o senhor comparou o atual
momento do Brasil ao que já foi vivido pela China, que transformou
aquele país em superpotência. O senhor realmente acredita que o Brasil
pode alcançar o mesmo patamar?
JED – Eu acredito. A China, na década de 60, era um
dos países mais miseráveis do mundo. Houve a Revolução Comunista em
1945, ficou um país muito fechando durante muito tempo. Houve uma
mudança em que o novo dirigente chinês chamado Deng Xiao Ping disse uma
frase que foi muito interessante: “Não me interessa a cor do gato, me
interessa que ele casse rato”. Isso ele falou em relação ao capital
estrangeiro. Então, a China atraiu investimentos britânicos, espanhóis,
franceses e ingleses americanos, que foram para lá investir, mas o
controle estratégico ficava nas mãos do governo chinês. Isso fez com que
em 40 anos, a China se tornasse a segunda potência do mundo, com
perspectiva de, em 15 anos, ultrapassar os Estados Unidos. Este é o
destino do Brasil. Agora com um desafio maior: a China fez isso com um
governo ditatorial, fechado, com um partido só. Nós vamos ter o desafio
de transformar o Brasil dentro da democracia. Mas eu acredito nisso.
247 – O senhor rechaçou também a ideia do PSDB, de Aécio
Neves e de demais setores da oposição de consideraram o leilão de Libra
como privatização.
JED – Isso é conversa fiada e é uma incoerência
muito grande, porque, quando da discussão do modelo de partilha no
Congresso, o PSDB e o Aécio disseram que iam votar contra o modelo de
partilha, porque diziam que era estatizante. Agora, a gente faz um
leilão no modelo de partilha, e eles falam que foi privatização. Na
verdade, o que eles querem esconder é que o que eles gostariam é que o
modelo voltasse a ser o de concessão, que é o modelo deles, que é quando
o petróleo sai de debaixo da terra, não é propriedade da União, mas sim
da empresa que colocou ele para fora. É um modelo que prevê uma
participação muito menor para o Estado brasileiro e beneficia,
fundamentalmente, as empresas estrangeiras. É um modelo que até é
aplicável – e vai continuar sendo – em algumas áreas do Brasil quando o
risco de não achar petróleo é muito maior. Então, se o risco é muito
grande, é natural que a empresa que fará o investimento tenha um retorno
proporcional. Só para dar um exemplo, a média de acerto de poços que
acham petróleo no mundo é de três em cada dez. Ou seja, há cada dez
poços que se perfura atrás de petróleo em todo o mundo, apenas três dão
petróleo. Os outros sete dão seco. No Brasil, a média da Petrobras é de
seis em cada dez. Ou seja, a média de sucesso aqui é o dobro da média
mundial. No caso do pré-sal, a média é nove em cada dez. Ou seja, há
cada dez poços que você fura no pré-sal, em nove se acha petróleo. A
margem de risco é de apenas 10%. Num cenário como esse, como a
propriedade do óleo, pela Constituição, é da União, do governo, do povo
brasileiro, então não é justo que com um risco tão pequeno, tão baixo,
uma empresa que venha a produzir o petróleo, fique com maior parte dele.
É fundamental que o governo fique com a maior parte. A empresa que
investiu tem que ficar com uma parte também. Mas o governo vai ficar com
a maior parte e investir. Não é ficar com a maior parte para gastar em
coisas supérfluas. É investir na educação e saúde, como está na lei. É
um modelo que vai gerar riquezas de forma consistente para o Brasil. Não
podemos fazer igual alguns países que produzem petróleo durante 20 anos
e depois que acaba fica lá a terra arrasada e não fica nada, nenhuma
infraestrutura para o povo. Então, esse modelo vai garantir a exploração
econômica, a atração de capitais estrangeiros. O capital estrangeiro
que vem investir em infraestrutura e gerar empregos no Brasil é
bem-vindo. O que não é bem-vindo é o capital especulativo, que vem atrás
da ciranda financeira, de juros altos e que vem aqui recebe um dinheiro
e vai embora. Não. O capital investido de forma produtiva é bem-vindo. E
é isso que estamos fazendo.
247 – O senhor também rechaçou em seu discurso o artigo de
André Singer, que diz que a presidente Dilma perdeu o discurso de 2010,
quando afirmou que “seria um crime privatizar o pré-sal”, mas agora
abriu o campo para empresas estrangeiras. O que há de errado na
declaração de Singer?
JED – Eu respeito muito o companheiro André Singer,
mas esse discurso, que é pela esquerda, digamos assim, é equivocado. O
sistema de partilha não significa de modo algum perder o controle
estratégico da indústria do pré-sal, porque a questão é a seguinte: eu
posso ser purista, posso dizer que não aceito capital estrangeiro, que
só a Petrobras que irá fazer, só que a Petrobras tem limites financeiros
também. Então, significa que o petróleo vai ficar debaixo da terra. É
muito bonito eu falar que está cheio de petróleo, mas está debaixo da
terra, não rendeu um centavo, não rendeu nenhum emprego, não gerou um
tostão para educação, para saúde. O que é melhor para o país? É ficar
com 100% do petróleo, mas debaixo da terra, para dizer que tem, mas não
poder usufruir dele, ou você atrair outras empresas, capital
estrangeiro, para achar o petróleo, produzir e tirar ele debaixo da
terra, e a União ficar com 85% e o resto ser distribuído
proporcionalmente de acordo com investimentos benéficos para o país?
Essa é a lógica.
Fonte: Valter Lima, do Sergipe 247
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