No mano a mano, PT e PMDB

As raízes da discórdia em dois atos preliminares: Dilma Rousseff leva a faxina ao PMDB e Lula começa a alinhar o PT para a eleição municipal

Presidente Dilma Rousseff: sem habilidade para contornar
obstáculos. Foto: tudoleia.com.br

Nos últimos oito anos, a aliança PT-PMDB se tornou o cerne ou hard core, como está na moda, do presidencialismo de coalizão, mas neste momento se torna perceptível a configuração de um quadro onde os dois partidos podem evoluir para um confronto de forças, uma queda de braço no mano a mano que pode testar a governabilidade na era Dilma Rousseff e redefinir a hegemonia entre os dois partidos.

A faxina da presidente Dilma na Esplanada dos Ministérios chegou ao PMDB com a demissão, na quarta-feira, do diretor financeiro da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), subordinada ao Ministério da Agricultura. O ex-diretor atende por Oscar Jucá Neto e vem a ser o irmão caçula do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB). Oscar é acusado de pagar irregularmente a empresa onde teve um primo como sócio.

A demissão do caçula vale mais pelo que nela pode-se ler do que propriamente pelo escrito. O ministro da Agricultura, Wagner Rossi, sentiu-se desautorizado pelo pagamento de R$ 8 milhões à armazenadora Renascença. Por isso pediu a demissão do caçula do senador. Então o ministro, da cota do PMDB, desejou a faxina em seu próprio ministério, em seu partido? É o que está implícito.

A leitura política, porém, é que o cerco chegou ao PMDB, cujo enfraquecimento interessa à hegemonia do PT, o que coincide com um momento em que o ex-presidente Lula iniciou pelos Estados a campanha municipal e a costura de alianças em torno do partido. Como na última eleição presidencial, o ex precipita o processo. Sai na frente antes de ser aberta a temporada usual. Busca selecionar e começar a impor seus candidatos a prefeito em 2012.

PMDB desejou ganhar moral

A cúpula dos peemedebistas com cargo na Esplanada dos Ministérios reuniu-se com o vice-presidente da República e comandante do partido, Michel Temer, fiador da presença de Wagner Rossi na Agricultura. E ali bolaram uma jogada de efeito espetacular: diante dos rumores emanados de petistas de que o PMDB seria o partido da vez na faxina, iniciada sobre o PR, a turma esboçou uma nota em que dizia que nada temia e suas portas estavam abertas a investigações administrativas.

Tudo combinado, a turma mudou de ideia. Desconfiou que a nota pudesse ter efeito contrário: em vez de impor o moral do PMDB, a nota exibiria uma fraqueza. O partido perderia em autoridade ao oferecer suas portas, gavetas, armários e computadores. Não, nada disso. O PMDB tem que se impor espontaneamente no moral e na moral. O PMDB tem de ser considerado acima de qualquer suspeita.

Que demitissem o Jucá caçula! Da mesma forma, o Jucá senador e líder do governo não criaria problema, não se incomodaria. Até porque possui outros negócios e representantes no governo. Agora, se o ímpeto da locomotiva Dilma avançar com sua vassoura pra cima deles... Aí, a história pode mudar de figura.

Além do mais, o reaparecimento de Lula, no palco da agitação política recria uma instância de recurso. Lula, conciliador, compreensivo e tolerante. A recente volta do ex-presidente abre espaço à consideração de outras variáveis nas tratativas de partidos entre si e nas relações com o governo.

Agora, é preciso ter um olho no padre e outro na missa. Um olhar sobre os rompantes de Dilma e outro no ex, aquele que sabe negociar — vocação complicada para a sucessora que ele elegeu. Em caso de dúvida, Lula vale mais do que Dilma.

Lula, o formulador político

A volta de Lula ao palco não se reveste com a simplicidade de um soldado a serviço do seu partido. Tem mais a ver com a autoridade de marechal que se apresenta, sem ser chamado, para liderar seu exército. Reafirma a disposição de tutelar o PT, torná-lo um instrumento de seus objetivos políticos. Beneficia-se da circunstância de que o petismo ainda não assimilou de toda a liderança, sem carisma, da presidente Dilma.

A posição do partido face à presidente ainda é de perplexidade diante da diferença de estilo em relação ao antecessor. Em ensaio recente, o cientista político Marcos Nobre (Unicamp) analisa a diferença entre o fazer político de Dilma e o de Lula. Em resumo, sustenta que a “lógica específica do governo Dilma está na maneira impositiva, na antinegociação.”

Assim, num ambiente em que não há oposição de fato, Dilma passa para fora do governo a imagem de quem, por dentro, "luta permanentemente contra um sistema político descolado da sociedade, voltado para os próprios interesses." É o canal que encontrou para se apresentar à e se comunicar com ela. Faz ajustes (faxina) que até comprometem o prestígio do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

Se sente-se sem condições de se impor, mostra que foi forçada a ceder em nome da governabilidade. “Procura transformar cada ‘derrota’ em uma ‘vitória moral’.” Mobiliza a seu favor a legítima ojeriza da sociedade à desfaçatez do sistema político. Projeta a imagem de quem não se mistura a baixaria, de quem se mantém imune a contaminação. Uma imagem um tanto quanto diferente daquela do antecessor.

A presidente, segundo Nobre “não contorna os muitos e vários vetos encastelados no sistema político, ela os confronta.” Em bom português, um costura a conciliação dentro da base governista, a outra vai para o pau, impõe sua autoridade institucional como gerente do sistema. Na opinião do professor, os dois estilos combinavam até a queda de Antonio Palocci, que, na chefia da Casa Civil de Dilma, ajeitava as coisas.

Na realidade, não era bem assim. Palocci se isolou, dedicado apenas à gestão da burocracia do governo, evitava contatos com políticos. Como Gilberto Carvalho na Secretaria-Geral da Presidência, Palocci atuava mais na representação de Lula junto à presidente e essa foi uma das razões de seu isolamento. Da mesma forma, Carvalho ainda não foi assimilado de todo pela atual administração do Planalto.

Outra coisa. A preocupação de Lula quanto ao isolamento da sucessora em relação aos partidos é manha do ex-presidente, faz aparte de seu jogo de poder. Ele sabia a quem escolhia como sucessora. Confiava que os estilos dele e Dilma seriam contrastados, como ocorre; e o que dele prevaleceria pragmaticamente na comparação comportamental.

Seria aberto um vácuo favorável à sua reinserção no processo - como ocorreu antes na difícil, votação parlamentar do Código Florestal. Pelo canal do PT, haveria razão para seu retorno à condição de formulador político do aparelho governamental. Não há cargo institucional onde empossar o ex-presidente, mas isso não é necessário. Sua liderança é mais do que formal ou informal. É real.

Em política não há pecado

Professor de filosofia política, Marcos Nobre encontrou na literatura uma espécie de parábola refinada a propósito da diferença do fazer político entre Lula e Dilma. Está num trecho de um romance de Roberto Bolaño, “2666”, onde Azucena Esquivel, deputada pelo PRI mexicano, narra:

"Aqui vem a parte in-crí-vel. Quando você comete os erros de dentro, os erros perdem o seu significado. Os erros deixam de ser erros. Os erros, as cabeçadas na parede, se transformam em virtudes, em contingências políticas, em presença política, em pontos midiáticos a seu favor”

Pérolas do pensar político:
- “Em política, tudo é permitido, exceto se deixar surpreender.” Charles Maurras (1868-1952), poeta, jornalista e pensador político francês;
- “Não há moral na política, há apenas conveniência: um canalha pode ser útil justamente por ser um canalha.” Lênin — Vladimir Illitch Ulianov (1870 - 1924), revolucionário russo;
- “Se é justo? Ora, bolas; isto é política.” Rudolph Giuliani (1944), político norte-americano.

Fonte: Jornal Opção






































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